28 de junho de 2011

A TRAJETÓRIA DE HÓR*



As evidências científicas, em torno do surgimento do Universo, a partir do fenômeno denominado BIG BANG - A Grande Explosão - têm ecoado na atualidade, de forma retumbante, e que, apoiadas nos estudos avançados da Física Quântica, parecem renovar as leituras acerca do evento magistral, que deu início a todas as formas existentes no Cosmo, suas representações visíveis e não - visíveis aos olhos humanos, e, por conseguinte, à manifestação pluriforme da própria Vida.
A partir da premissa supramencionada, cabe destacar, portanto, que uma das vertentes, que se consolida, gradativamente, entre os estudiosos, sobre o aparecimento e a formação do Universo, é a de que, imediatamente à explosão descomunal, que gerou o desencadeamento de todos os elementos fundamentais, a Luz, em sua velocidade natural, teria sido a primeira forma a se desprender do berço originário, e perseguido, desde então, a massa fundadora, que provocou a expansão daquele, quando a energia, antes condensada, eclodiu para se transformar na matéria e na anti-matéria, eixos que sustentam o esplendor enigmático, que é o próprio Universo.
Diante da configuração apresentada acima, uma questão indelével se impõe: se a energia concentrada, no momento da explosão, transforma-se no magma primordial, que, por sua vez, invade o espaço, antes vazio, para ser ocupado pela matéria abundante, desconhecida, regidas por leis próprias e de concepção multiforme, a Luz, por sua natureza distintiva, emerge do nada absoluto para engendrar nos sulcos da escuridão profunda a sua razão de ser?
Ora, retorno à letra que defendo nesta explanação para ratificar a perseguição que a Luz empreende, quase pari passu, à energia, que rasga o Nada para fazer nascer e emergir de ventres desconhecidos galáxias, estrelas, planetas, cometas - corpos visíveis, de um lado; bem como os quasares, os pulsares, os quarks, os neutrinos etc - substâncias não - visíveis, do outro lado. E a Luz, esse elemento estranho, à primeira vista, navega, desde a formação do Universo até os dias atuais; e sua inesgotabilidade, predicado eminentemente físico, comprova, sem apresentação de teses complexas ou equações geniais, de que sua extensão, seu limite e sua duração são infinitas. A Luz era, é e sempre será.
Nesse sentido, a Humanidade, que reconhece, através dos mitos fundadores e das estórias baseadas na criação de mundos pelas mãos de uma entidade suprema, a origem de todas as coisas, sempre soube que a Luz fora o primeiro elemento que apareceu, seja no universo interior, seja no universo exterior, e, claro, na superfície da Terra. A Luz, que não estava presente no Nada, mas que compôs, na condensação da matéria primordial, a gestação do Tudo, tomou a forma que o Homem conhece e que, com a qual, convive passados 13, 7 bilhões de anos, segundo a teoria mais conclamada em tempos hodiernos sobre a idade do Universo.
Enigmática, silenciosa, quase abstrata, visível e invisível, combinando níveis de gradações energéticos e cromáticos singulares, a Luz atravessa o Universo desde o nascimento deste último no apogeu do Caos. Sem idade, portanto, a Luz é atemporal, o que lhe confere o status de eterna. Caótica, por excelência, a Luz fora um dos elementos constitutivos da intricada cadeia inominável, que gerou o choque das forças primordiais, mitologicamente representado pelos helênicos como Aîon.
A estória do Homem não se confunde com as trevas, com a escuridão; mas, afirmativamente, o dono da História está fundido na narrativa que centra a Luz como ponto nodal na construção do Universo, enquanto raiz matricial, e na criação dos universos paralelos, sobre os quais o desconhecimento é titânico para a mente humana, mas que se presentifica potencialmente, através das incontáveis leis indeterministas que perfilam, para o assombro e a perplexidade da Ciência, a face oculta do Acaso. Nesta diretriz, o fenômeno da fusão parece ser o código fundamental. Da fusão atemporal de energia, dá-se o efeito da explosão e da expansão esférica do Universo - organismo vivo. Na formação da Vida, a fusão de elementos essenciais e mantenedores da energia que sustentam o próprio universo em toda sua grandeza e dimensão.
A história da Humanidade é plena da presença da Luz. Em todas as mitologias, sejam orientais, sejam ocidentais, a Luz é o elemento divisor. Os homens saem da escuridão eterna, quando Prometeu rouba dos céus o fogo primordial para prover aqueles do conhecimento que apenas os deuses compartilhavam, na narrativa grega; uma coluna de fogo guiava o povo hebreu no deserto, nos tempos do êxodo bíblico; Rá figurava como entidade excelsa, ao ser representado pelo próprio Sol, no Egito dos faraós; deuses hindus portavam lanças ígneas para proteger a Terra contra os invasores galácticos; o martelo de Thor raiava no firmamento gelado, e Odim se agradava do filho que defendia os humanos diante das forças do Mal.
Na consciência coletiva da humanidade o Abismo é expulso constantemente de nossas naturezas; é corruptor de essências, e, conseqüentemente, destruidor de mundos. Mas há algo intrigante no caminho contínuo da Luz e que a torna elemento simbiótico daquilo que não porta luz. A ausência de Luz não significa escuridão. A primeira não exclui a segunda e tampouco a segunda é livre da primeira. Logo, o pensamento maniqueísta, que separou o Bem do Mal, o Sim do Não, o Céu do Inferno, e, neste caso, a Luz das Trevas, falhou, para a felicidade dos mortais, pois não poderá haver, sob hipótese alguma, uma realidade em que a força geradora seja somente luz ou somente escuridão. Uma não sobrevive sem a outra; são partes essenciais de uma lei fundamental, e, portanto, indissociáveis. Se a Luz preenchesse todos os lugares do Universo, com efeito, as criaturas que são dotadas de visão seriam cegas. Se todo Universo fosse formado apenas por trevas densas, as mesmas criaturas também seriam cegas. Os deuses seriam cegos e o Nada, suspenso sobre seu próprio corpo, continuaria a vagar em seu antirreflexo - cena quase impensável para a capacidade limitada do Homem para abstrair a realidade em seu grau substancialmente primevo.
O Abismo não traga corpos celestiais, mares oceânicos e nem a Luz, em sua trajetória desbravadora, heróica e fundadora. O Abismo é, antes de qualquer noção física ou metafísica, a outra face da Luz, que, ao expelir a energia e a matéria para os espaços não - dimensionais, quebram violentamente a barreira do tempo que não é, não existe, para temporalizar-se no infinito a fim de que a vida surja em processos imutáveis, conhecidos por nascimento, crescimento e morte. E morrer não significa perder a Luz, e, como processo cabal, adentrar as trevas; mas, antes, é aumentar, exponencialmente, o quantum da própria Luz para redimensionar outros espaços, outras realidades.
A noção de ausência de luz - a própria escuridão - é percebida porque o olhar humano indispõe de lentes perfeitas para descobrir que na não - luz aparente existe a luminosidade essencial. E, ainda, no interior das sombras espessas, formas de vidas, que, para o Homem, podem parecer grotescas ou exóticas, emergem triunfantes e perfeitas nos hemisférios em que são encontradas. Assim acontece nas zonas abissais, nos oceanos profundos, quando espécies marinhas, transparentes e luzidias, captam, por sensores próprios a luz rarefeita de que necessitam para viver e dar continuidade à vida. As lentes humanas, com um campo visual reduzido também não percebe o que está além da Luz. A vida, além da Luz, existe, mas seus códigos são próprios e não equacionáveis por sentenças ou cálculos humanos. O Homem, portanto, é tão somente um ser que faz parte da Luz; descendente distante dos primórdios e ínfima parcela da claridade espargida em todo Universo.
Porventura a Luz pede passagem às Trevas para continuar a sua trajetória ou será que as Trevas, poderosas, permitem a passagem daquela? O fato é que do Big Bang, segundo a ciência contemporânea, ou do Fiat Lux, segundo o criacionismo religioso, a Luz que o Homem conhece, desde o dia em que o tempo não existia até a chama, que do nada aparece no palito de fósforo quando riscado, e que acende, por exemplo, a boca de fogões caseiros, continua soberana, impávida e extraordinária, em sua trajetória.
Ao contemplar a Luz, enigmática e eterna, lanço duas questões viscerais: agindo Deus, quem impedirá? Agindo a Luz, quem a impedirá em sua trajetória?


Nota:
* A palavra Hór é a transcrição, em caracteres latinos, do vocábulo hebraico אּוֹרּ.


Nenhum comentário: